Divagações sem fim esperando por respostas.
Uma busca sem rumo por certezas improváveis:
Dores, cores, amores, rancores.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Le Pont des Arts


Paris, Metro Ódeon, Junho de 2014

-Je peux m'asseoir, s'il vous plaît?-diz, ofegante depois de descer correndo as escadas do metrô.
-Errrr....- não entende nada.
-Je peux m'asseoir, s'il vous plaît? e faz um gesto com a mão como quem gostaria de ocupar o lugar que estava vazio ao lado da menina de cabelos encaracolados com um mapa nas mãos.
-Si, si. E rapidamente procura algo no livrinho de frases- Je ne parle français, do you speak English? com cara de quem precisa de algo.
-Yes, I do, but where are you from? Brazil?- adivinhando um forte sotaque embaixo daquele pobre francês.
-Yes! Do you speak my language?- num alívio súbito.
-Falo sim, sou brasileira, o que você precisa?
-Então, estou em Paris por três dias só e não falo nada desta língua e nem entendo estes metrôs. Em Londres é tudo mais simples!- fala enquanto tira também o guia de dentro da mochila de ursinhos- Eu preciso ir até o cemitério.
-hahahaha. Sim, Londres é muito mais simples. Morei lá uma vez. E deixe-me adivinhar, você quer ir ao cemitério ver o túmulo do... hahaha... Jim Morrison, certo?
-Claro! Como você adivinhou? Vamos embora amanhã cedo e ainda não fui ao cemitério... er... Pierre Lachaise, né?
-Pere, Pere Lachaise. Mas você sabe que o busto do Jim não está lá há muitos anos.
-Sim! Eu sei. Queria muito uma foto com o busto, mas vou tirar sem ele mesmo- e mostra a foto do busto como era antigamente no seu guia.
-É só pegar o metrô e descer na estação com o mesmo nome do cemitério.Você está aqui sozinha? Desculpe a intromissão.
-Ah não, eu faço intercâmbio... moro em Londres... a família é bem legal e resolveu nos trazer para Paris. Eles são cheios dessas coisas de cultura, levam a gente para museu, ópera, restaurante disso, daquilo, ontem fomos em um Tailandês aqui do lado.
-Nossa, você tem sorte. Ganhou uma viagem a Paris. O que mais você fez por aqui?
(Enquanto soa uma mensagem do metrô dizendo que o próximo trem para onde as duas iam demoraria mais 15 minutos.)
-O que eles disseram? Não é bomba não,é? Em Londres tudo é bomba, nem lixo eles têm mais por causa de bomba- Rindo e se preocupando ao mesmo tempo que se certifica se o endereço do hotel ainda está no seu bolso.
-Não, só um atraso. Atrasos são comuns nessa época do ano.- explica enquanto equilibra seus livros de antropologia no colo.
-Hmmm. E você, o que faz aqui com tantos livros? Você gosta de ler, hein?- curiosamente olhando os títulos dos livros, todos em francês.
-Eu faço doutorado. Doutorado em Antropologia.
-Antropologia... hmmm... Levi Strauss... hahaha é o cara que inventou a calça jeans?- debocha enquanto prende o cabelo pra cima com elástico rosa- Eu quero estudar Jornalismo. Adoro escrever.
-hahaha não... é um antropólogo- sem tentar ir fundo no assunto percebendo que ela tinha no máximo 17 anos- que bom que gosta de escrever. O que você escreve?
-Eu escrevo diários! Tenho uns cinco, desde que tinha 12 anos. Ah, fui ao Louvre ontem. Grande, né? E a Monalisa. Chata que só. Mas pelo menos vou poder falar que vi o sorriso enigmático frente a frente.
-Sim! Também achei bem sem graça quando visitei. E tirei algumas fotos escondidas.
-O lugar que mais gostei foi daquela igreja lá no alto de um morro que você sobe em um bondinho e pode olhar a cidade em binóculos.
-Sacre Coeur, é o meu lugar favorito também, eu moro ali ao lado. Você já assistiu Amelie Poulin?
-Que bacana! Você realmente mora em Paris. Será que um dia eu vou me casar e mudar para Paris? Ter uma casa em Paris e poder passear com meu marido pelo Sena. E quem sabe colocar um cadeado naquela ponte com o meu nome e o do meu marido... - fala ininterruptamente olhando para a plataforma de onde o trem deveria chegar em cinco minutos- Você mora com seu marido?
-hahaha Não, não sou casada, moro só. Eu e meus livros- e mais uma vez arruma aquela pilha de livros pesados como se quisesse deixá-los por ali.
-Mas você não se sente sozinha?- sendo altamente curiosa- e não vi Amelie Poulin não, é legal?- usando e abusando de sua memória adolescente.
-Às vezes sim, mas eu trabalho e estudo, não teria tempo para namorar, eu acho...- também olhando para o túnel e tentando desviar o assunto.
-Hmmm, tem tempo sim, você ainda é nova, tem tempo pra tudo. Eu quero me apaixonar logo. Quem sabe não arrumo um namorado quando chegar ao Brasil? hahahaha- e aponta um casal que espera o metrô ao nosso lado. Ela de vestido de flores e ele de bermuda e all-star- Os franceses são tão românticos, mas os ingleses são muito estranhos.
-hahaha Você vai se apaixonar, assim que chegar no Brasil, eu prometo. Quem sabe por alguém que use uns coturnos assim tão estilosos quanto os seus?
-E que goste de The Doors, não é?
-Isso, e que goste de The Doors- vendo que o trem ainda vai demorar- Sabe, você pode ir andando pelo Sena até o Pere Lachaise. Não deve ser mais que 15 minutos... por que não tenta?- fala enquanto mostra a ela o caminho pelo mapa.
-Jura? Vou tentar! Obrigada. Você não quer ir comigo?- convida sendo simpática com a nova amiga.
-hahaha Obrigada, não posso, estou indo para minha aula de francês. Bom passeio e cuidado com o segurança. Eles não permitem fotos!
-Tomarei cuidado! Adoro tirar fotos em lugares proibidos. Boa espera pra você então. Nos vemos no Brasil! Eu e meu namorado, você e o seu!
-Sim, sim hahaha nos vemos no Brasil!
Enquanto uma sobe as escadas correndo para chegar o mais rápido ao cemitério e ver o túmulo mais visitado nos últimos anos, a outra checa o celular por mensagens, abre e fecha a capa do primeiro livro dado a ela por uma amiga, olha o relógio. Vê que o tempo realmente passou.Será que levou com ele a adolescente que hora sonhava por ali?
O trem chega na plataforma e ela corre para conseguir um lugar para se sentar. O vagão já está praticamente cheio.
-Excuse moi s'il vous plaît... Excuse me, please.
Quando as portas se fecham e o trem começa a andar, ela se desequilibra e derruba todos os seus livros. Um turista cheio de sacolas oferece ajuda.



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