Divagações sem fim esperando por respostas.
Uma busca sem rumo por certezas improváveis:
Dores, cores, amores, rancores.

sábado, 1 de maio de 2010

Meu avô era mineiro

Poucas coisas nesta vida me fazem mais feliz que acordar cedo e tomar café-da-manhã na padaria.
Uma delas é lembrar do meu avô e do meu avô se lembrando de mim. Quando ele ainda conseguia me levantar, me pegar no colo, me jogar para cima assim, e assim.
Ele nos disse que era espanhol, lá da Catalunya. Mas para mim ele só podia mesmo ser mineiro. Um trenzinho bão daquele jamais nessa vida que nasceria numa terra que não fosse Minas Gerais.
Meu vô me levou na escola no meu primeiro dia de aula do pré. E foi assim até o último. Me disse que um dia tinha uma enxurrada tão grande que ele teve que me levantar lá no alto para que eu não chegasse molhada na aula.
E ele me levava para "desamarrar o burro". Era mais ou menos assim, eu ficava emburrada por qualquer coisa e ele me levava para dar uma volta, desamarrar o burro. Sentava no banco da praça e ficava me esperando pegar todas as florzinhas coloridas que depois eu queria levar pra casa. Me levava para fazer inalação todos os dias, de ônibus às duas da tarde. E ficava lá do meu lado, com as mãozinhas cruzadas para trás puxando conversa até com o botijão de oxigênio.
Ninguém sabe abraçar como o meu avô. Abraço tem que ser bem dado. Apertado, demorado, um 'uta' bem forte com tapinha nas costas e se possível uma palavrinha de motivação na orelha. Para mim era sempre "você é um orgulho para o vô" ou "ai, que bom que você está aqui!".
Meu vô comia igual passarinho e tinha rodinha nos pés. Quando a gente chegava lá ele estava sempre na padaria ou na oficina. Conversando com os compadres. Ele dizia que o melhor na vida era ter amigos e se orgulhava de ter vivido a vida toda "sem criar inimizade com ninguém"- enquanto apertava minha mão na dele.
Nem as duas filhas do dono do restaurante que ele trocou para casar com a minha avó ficaram com raiva dele. Mineiro que só.
Quando as pessoas morrem, acho que é normal que a gente páre de falar nelas por um tempo porque ainda dói. Mas não tempo o bastante para que ela seja esquecida.
Eu chorei a morte do meu avô só depois de três meses da sua partida. E só então consegui me lembrar de tudo que ele significou para mim. Até as minhas brincadeiras mais brutas eu aprendi com ele. Mas isso é só sinal de amor demais. Eu mordia ele até tirar sangue e não largava da barra da sua calça por um segundo. Ele plantava morango para eu comer no pé, fazia arroz doce e doce-de-leite de quadradinho.
Nunca vou esquecer da minha vô abraçada em mim no velório:"-É a minha vida. A minha vida foi embora." Nem dele com Alzheimer, pouco antes de morrer, quando ainda abraçava todo mundo que ia visitá-lo com um sorriso na cara: "-Olha quem está aqui!". Mesmo que não fizesse idéia se quem estava ali era o dono do restaurante que ele trabalhava quando era moço, eu, a minha vó, meu pai ou qualquer uma das pessoas que ele quis tão bem durante seus quase noventa anos de vida.

Um comentário:

  1. Nossa, Le.. vc escreve tao bem... amei, me deu arrepios... adorei seu avô tb xx

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